De acordo com Fábio De Rose a má higienização e mudanças climáticas são causas do aumento do número de casos no Brasil
Por Laura Alegre – Editorias: Atualidades, Jornal da USP no Ar, Rádio USP
Alguns Estados brasileiros enfrentam surtos de doença de Chagas. Segundo a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Pará e Minas Gerais concentram o maior número de casos e, em todo o País, estima-se que 4 milhões de habitantes são portadores da doença, sendo que muitos não sabem que estão infectados.
Nos últimos cinco anos, equipes da Superintendência de Controle de Endemias, órgão ligado à Secretaria Estadual de Saúde de São Paulo, encontraram 135 insetos, os barbeiros, transmissores do protozoário causador da doença de Chagas em municípios da Grande São Paulo. Desses, 30,8% estavam infectados. Por enquanto, o risco de contaminação é pequeno nos grandes centros urbanos, mas especialistas buscam levar conscientização à população.
O Instituto de Medicina Tropical (IMT) da USP é referência mundial em pesquisa sobre a moléstia, e o pesquisador e doutorando Fábio De Rose, médico infectologista do IMT, conversou com o Jornal da USP no Ar sobre o assunto.
Faz 110 anos que o jovem cientista Carlos Chagas descobriu a doença causada pelo protozoário Trypanosoma cruzi e transmitida pelo inseto barbeiro, porém seu tratamento permanece até hoje sem avanços significativos. De Rose explica que isso se dá porque “a doença de Chagas faz parte de um hall de doenças negligenciadas em relação à pesquisa, já que o problema acomete principalmente populações rurais e ribeirinhas. Vemos uma falta de interesse em buscar novas formas de tratamento e diagnóstico que busquem melhorar as condições de vida dessas pessoas: só para se ter uma ideia, se usa a mesma medicação há 60 anos.
Existem programas como o Expresso Chagas, da Fiocruz, que buscam reverter esse cenário e conscientizar melhor a população a respeito dos riscos, indo até os locais onde foram registrados casos da doença e dando informações aos moradores”.
O estigma existente em relação à doença é motivado pelo fato de que o aparecimento do percevejo vetor é favorecido em ambientes como moradias precárias. No entanto, o doutor explica que esse tipo de transmissão foi controlada desde 2006, e que os contágios mais comuns são o contato com sangue infectado ou alimentar. “Os surtos que temos geralmente são limitados e causados pela ingestão de alimentos contaminados. Isso acontece quando a pessoa ingere um produto no qual o barbeiro, cheio de Trypanosoma cruzi, foi triturado ou misturado no preparo da comida; por exemplo, o açaí fresco ou a cana-de-açúcar não higienizados corretamente, principalmente aqueles vendidos na estrada, de origem duvidosa. Os pasteurizados tendem a ter procedências mais confiáveis. É preciso tomar cuidado com alimentos crus também, como carne malpassada”, alerta.
Porém, mesmo controlado, o retorno do inseto barbeiro como vetor é algo possível, pois ele não foi erradicado totalmente. “Precisamos estar vigilantes sempre a respeito disso. Existe também o risco motivado pelas mudanças climáticas, desmatamento e ocupação humana em regiões de mata, o que exige ainda mais atenção inclusive com o contágio de animais mamíferos, como cachorros e gatos que possam ter contato com o percevejo e facilitar a transmissão”, diz o especialista.
A doença de Chagas se manifesta em duas fases, a aguda e a crônica. “A fase aguda tem sintomas mais agressivos, mas que aparecem mais raramente: a partir do contato com o Trypanosoma, a pessoa pode desenvolver febre, cardiomiopatias e até encefalopatias, como a meningite.
A fase crônica, a mais comum, tem sintomas pouco pronunciados e que muitas vezes dificultam o diagnóstico da doença, que consistem em problemas cardíacos e intestinais, como arritmias e constipações que duram semanas”, explica De Rose.
Ele também ressalta que o tratamento adequado é fornecido gratuitamente pelo Sistema Único de Saúde (SUS), e varia de acordo com a fase “na aguda, é mandatório o uso de medidas que visem a eliminar o protozoário do organismo, enquanto que as crônicas podem ser tratadas com medicamentos cardíacos, por exemplo. Um diagnóstico preciso e acompanhamento médico são fundamentais em ambos os casos para evitar com que os sintomas evoluam e culminem em uma morte súbita”.