A ausência de um isolamento social mais rígido em Manaus pode criar condições para o surgimento de novas variantes de coronavírus, alerta o cientista Lucas Ferrante, pesquisador do programa de biologia do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa).

“UMA circulação do vírus em Manaus está desenfreada e isso pode propiciar inclusive novas mutações tornando uma linhagem resistente à vacina ”, afirmou Ferrante. “O caso de Manaus pode se tornar um problema de saúde pública mundial”.

No decreto em vigência e atualmente válido até o dia 14 de fevereiro, o governador Wilson Lima flexibilizou o funcionamento de alguns setores do comércio, permitindo a venda por entrega e restringindo a circulação de pessoas em espaços e vias públicas entre 19h e 6h.

No ponto de vista do pesquisador, a abertura atual está ocorrendo em um momento em que o fechamento é ainda mais rígido. Ele afirma que nunca houve, de fato, um isolamento rigoroso na cidade e que as medidas restritivas não permitem a transmissão comunitária. Para Ferrante, a falta do isolamento social rígido pode inclusive prejudicar economicamente a região a longo prazo.

“O estado do Amazonas deve sofrer um colapso do turismo e da indústria por conta de medidas que não estão sendo aplicadas para a contenção dessa crise de saúde pública. Nós precisamos frear o avanço dessa pandemia, porque caso a gente tenha uma variante resistente à vacina agora em 2021, nós vamos ver oportunidades de nível mundial se fechando economicamente para Manaus ”.

No dia 21 de janeiro, o cientista conta que teve uma reunião com o prefeito David Almeida, recomendando um confinamento extensivo para a cidade.

“O aviso da segunda onda estava bem difundido, não dá para usar a desculpa que foi a nova variante que surgiu que causou a nova onda, até porque essa variante ela surgiu entre agosto e janeiro. Ela é muito recente para ter propiciado isso e os danos que essa variante vai causar eles ainda serão vistos ”, afirmou.

Para o restabelecimento econômico de Manaus, o cientista defende que é necessário realizar um isolamento social de 20 dias a um mês, para que seja evitada a ocorrência de uma terceira onda em 2021.

No ano passado, após a primeira onda de Covid-19 em Manaus, Ferrante chegou a coordenar uma nota técnica, a pedido do Ministério Público do Amazonas, para recomendar restrições na circulação em junho – mesma época em que o governador havia decidido reabrir o comércio nenhum estado. Os modelos epidemiológicos que previam a segunda onda foram encaminhados para a Fundação de Vigilância em Saúde e em reuniões na Assembleia Legislativa do Amazonas.

Ainda em junho, o grupo de pesquisa do qual o cientista faz parte publicou um trabalho na revista Nature, alertando que Manaus passaria por uma segunda onda de Covid-19 no final do ano passado e início de 2021 justamente pela negligência de não adotar um isolamento social rígido.

A variante do coronavírus de Manaus

A nova variante do coronavírus detectada pela primeira vez no Amazonas está gradualmente se expandindo além das fronteiras brasileiras. Segundo um novo boletim da Organização Mundial da Saúde, a variante, com o nome oficial de P.1, já foi detectada em 8 países.

A descoberta de P.1 não aconteceu graças aos esforços epidemiológicos brasileiros. A variante do coronavírus só foi detectada quando viajantes brasileiros que estavam em Manaus foram examinados no Japão no dia 10 de janeiro. Duas semanas depois, os Estados Unidos confirmaram o primeiro caso de infecção pela mutação P.1 no estado de Minnesota.

O boletim da OMS cita o fato de a nova variante do coronavírus já se tornar dominante no Amazonas. Em dezembro, era responsável por 52,2% dos casos analisados ​​(35 em 67), mas agora em janeiro já é a causa de 85,4% dos casos acompanhados (41 em 48). Isso levanta a suspeita de que a variante P.1 pode ter alguma vantagem na transmissibilidade em comparação com as cepas mais antigas. No entanto, a OMS observa que mais estudos são necessários para confirmar se há realmente uma diferença na transmissibilidade, gravidade ou capacidade de evasão da atividade de anticorpos neutralizantes de infecções anteriores ou vacinas.

A mutação mostra algumas alterações na proteína conhecida como “spike”, que é usada pelo vírus para se ligar a células humanas e ser capaz de injetar seu material genético e se replicar. É uma proteína chave na cadeia de replicação do coronavírus e, não à toa, é o alvo da maioria das vacinas que estão em uso ou em desenvolvimento.

A P.1 está em um rol de mutações preocupantes , como as variantes descobertas no Reino Unido, que já foram detectadas em 69 países, e na África do Sul, encontradas em 25 países, que correm o risco de serem mais transmissíveis ou fugirem a resposta imune produzida por vacinas ou infecções anteriores. No caso da mutação britânica, o governo local expressou a suspeita de que também seja cerca de 30% mais letal.

Vale destacar também que, mesmo que a letalidade do vírus permaneça inalterada, o aumento da transmissibilidade é suficiente para causar mais óbitos, pois quanto mais casos, maiores são as chances de alguns deles se tornarem graves, causando maior ocupação de leitos. e, causando mais mortes.

Informações do G1 / Créditos da imagem: Paulo Desana Dabakuri 

 






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