Por Fabiana Mariz
Jornal da USP
Uma equipe do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (ICB-USP) analisou dados de aproximadamente mil pacientes com Covid-19 e indivíduos controles de diferentes países e identificou mecanismos que podem explicar por que a taxa de letalidade da doença é menor em mulheres.
Os pesquisadores verificaram que as mulheres apresentam uma resposta imune mais regulada, semelhante à de indivíduos mais jovens. Coordenado pelo pesquisador Otávio Cabral Marques e conduzido pela pós-doutoranda Paula Paccielli Freire, o estudo foi publicado na plataforma medRxiv, ainda sem revisão por pares, e pode ajudar a elaborar novas estratégias terapêuticas para a doença.
Os cientistas analisaram dados de sequenciamento de RNA de amostras de secreções da nasofaringe e de leucócitos de sangue periférico de pacientes infectados pelo SARS-CoV-2, comparando os padrões de transcrição de genes moduladores de resposta imune de acordo com sexo, idade e carga viral.
O perfil de resposta imune das mulheres era parecido com o de indivíduos jovens, enquanto o perfil dos homens foi associado ao dos idosos. “Os dados ajudam a entender por que idosos e homens são mais suscetíveis à morte pela doença”, afirma Marques.
Segundo o pesquisador, as mulheres apresentam um melhor controle da ativação de genes pró-inflamatórios, tais como a IL-1β e reguladores (CXCR-1 e CXCR-2) da migração de neutrófilos. “Os neutrófilos são células do sistema imune que aumentam quando há uma infecção e podem causar dano tecidual em casos de exacerbação da reposta imunológica. Contudo, quanto maior a gravidade da doença, o organismo passa a gerar neutrófilos com perfil mais supressor, para evitar danificar os tecidos.
As mulheres conseguem fazer isso de modo mais eficiente, pois reduzem mais a ativação de certos genes pró-inflamatórios associados a ativação dos neutrófilos”.
O trabalho indica que esses genes pró-inflamatórios com expressão reduzida nas mulheres podem ser alvos terapêuticos para a Covid-19 – ou seja, inibi-los poderia beneficiar a resposta imune. “O IL-1β, por exemplo, que codifica uma citocina pró-inflamatória importante, é um alvo que já tem sido usado com sucesso para reduzir a incidência de morte nos pacientes. Nosso estudo mostra que existem vários outros alvos que podem ser utilizados”, acrescenta o cientista.
A partir dessa descoberta, o grupo de Otávio Cabral Marques pretende explorar genes reguladores da resposta imune, como os envolvidos no ritmo circadiano, que ficam desregulados nos pacientes graves conforme apontado por outros estudos coordenados pelo pesquisador.
Outro projeto busca entender o que acontece com os genes relacionados ao ciclo celular, já que o SARS-CoV-2 atua desregulando o ciclo celular de vários tipos de leucócitos (células do sistema imune). A expectativa é que os próximos trabalhos também indiquem possíveis alvos para o tratamento da doença.